este artigo do Jornal de Negócios de hoje, aborda a questão da prevenção de crises, nomeadamente as "de percepção" causadas por rumores e boatos. nele intervenho como comentador (entrevista dada recentemente ao mesmo jornal). curiosamente percebo que há alguém ali para os lados de Coimbra que tem o mesmo nome que eu. esta coisa do branding é mesmo muito complicada...lol.
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as perguntas e respostas dadas ficam aqui para memória futura (esta expressão dá mesmo jeito!):
JN– Na carta que enviou aos colaboradores do banco, o presidente do BCP escreveu “Como é de bom senso, rumores e boatos não se comentam, sob pena de se lhes dar credibilidade”. Pelos vistos, chega a uma altura em que têm que ser comentados. Numa lógica de gestão de crise, onde está a fronteira entre o ignorar e o não poder ignorá-lo mais?
AMM- Há 2 modos de identificar a fronteira entre ignorar ou não um boato: alteração anormal dos padrões de evolução dos indicadores de negócio (ex.: alteração significativa dos comportamentos dos stakeholders nomeadamente clientes, empregados e parceiros: resgates bancários antecipados e concentrados no tempo, flutuações abruptas na cotação do título em bolsa, solicitações de esclarecimentos dos empregados aos seus superiores hierárquicos, etc..) ou então escalada consistente do tema-boato na agenda dos media e das redes sociais (identificável por qualquer bom programa de monitorização de redes sociais ou de monitorização dos media) ;
JN- Num novo ambiente de redes sociais e informação online, este paradigma de que um boato nunca se comenta terá que mudar?
AMM- não me parece. o que tem que mudar é a forma de agir perante eles. bons programas de gestão de riscos e crises contemplam módulos relacionados com rumores e boatos. o que deve estar presente na cabeça dos gestores é que esta prevenção e preparação para a crise tem que existir e que devem estar preparados os meios certos para lhes fazer face. a partir de certo momento o boato tem que ser atacado [quando os seus efeitos reputacionais e financeiros ultrapassam os níveis definidos como aceitáveis] o que as redes sociais e a evolução tecnológica permitem é que a rapidez e a pluralidade de visões sejam maiores, o que obriga as empresas e as pessoas a serem mais rápidas na resposta, mais certeiras nos meios, e mais credíveis nas mensagem-respostas enviadas
JN- A própria dinâmica clássica do boato está a mudar? Ou apenas a ficar mais rápida?
AMM- está a ficar mais rápida mas também mais complexa já que a existência de mais meios de difusão obriga a outras preocupações
JN- A sucessão de escândalos empresariais nos últimos anos, em Portugal e no estrangeiro, tornaram este terreno mais fértil para os boatos?
AMM- claro que sim. mas não é só a existência de escândalos que propicia esta situação. temos que contemplar também aqui a instabilidade generalizada dos mercados resultante da crise financeira desde 2008, a sua conexão ao sector financeiro, em especial bancário. Estou muito convencido que a degradação generalizada da reputação da banca, contribui grandemente para um aumento da susceptibilidade do sector a movimentos de informação como os boatos. um outro facto que deve ser apontado é a sensibilidade do objecto do boato; neste caso, e estamos a viver um contexto de empobrecimento e dificuldades das famílias, trata-se do dinheiro, bem escasso nos dias que correm, e a maioria das pessoas têm presente o acontecido com os clientes do BPP. repare-se que um boato só ganha lastro e dinâmica (e por isso significado) quando envolve grandes faixas da população-relevante, e isto só acontece porque há um acontecimento a que as pessoas dão muito importância e cuja definição da situação é ambígua. em síntese estes factores são os determinantes, que podem ser acentuados pela reputação-sector e pela reputação-país
JN- Por todo o seu historial recente (guerra de poder, crise financeira, Armando Vara, etc), de todos os bancos nacionais o BCP parece ser o “alvo mais fácil” de um boato?
AMM- sim, sem dúvida
JN– Os boatos não matam mas moem. Ou podem mesmo matar? Recorda-se de algum caso fatal na esfera empresarial?
AMM- os boatos moem, mas não conheço nenhuma empresa que tenha falido por causa de um boato. os efeitos negativos de um rumor são bem conhecidos e como afirmei acima são reputacionais e financeiros. a nestlé e a shell já sofreram danos maiores por causa de rumores associados a produtos seus. mas há um campo de consequências que não podem ser contabilizadas e que são muito relevantes: o campo das inibições que os rumores e boatos provocam: os clientes que decidem não comprar, os parceiros que decidem não se associar, os preços de aquisição que se tornam mais baixos ou altos conforme a perspectiva. por exemplo, no caso deste boato associado ao BCP tenho algumas dúvidas que os efeitos consolidados do boato sobre, por exemplo, recursos captados de clientes seja relevante. o dinheiro terá saído mas voltará a entrar mal o boato se desvaneça. agora uma outra questão é aquilo que estava para acontecer e não acontece por força da desconfiança gerada pelo boato: não sei se o BCP estava para vender algum dos seus activos e o potencial adquirente se desinteressou por força dos boatos, ou se houve clientes descontentes com outros bancos e que na altura de equacionar alternativas não contemplaram o BCP nesse leque, ou se o BCP estava para adquirir algum activo e perdeu vantagem negocial por força do boato. este é o campo dos efeitos que nós temos que analisar e avaliar: não só as consequências directas da acção mas também, as da não acção.
JN– Da informação que dispomos (carta aos colaboradores, anuncio de queixas à CMVM e à PJ), como avaliaria a actuação do BCP neste caso?
AMM- um boato ganha força porque merece credibilidade. alguem em que se confia, transmite uma informaçao que é tida como boa, válida e credível. é curioso que geralmente quem inicia o boato ("o instigador") é diferente daqueles que o propagam ("líderes de opinião" e "apóstolos") e difundem, e daqueles que agem com base neles ("população"). mas na origem está sempre alguém que tecnicamente e pessoalmente merece grande credibilidade e que está próximo do acontecimento e da empresa. Neste caso em concreto, julgo que os meios colocados em acção pelo BCP foram bons. A resposta poderia ter sido alavancado por incrementadores de confiança ("líderes técnicos" ou "líderes de opinião" capazes de contrariar a alegada credibilidade original do boato) como seja uma coligação de opinião constituída por comentadores, directores de media, reguladores etc., que pudessem desmistificar a situação; poderiam ainda ter tido uma presença mais forte e mais contundente em termos de plataforma de contra-informação. Mas feito o balanço penso que o BCP agiu como era de esperar.