26.5.08

crónicas # 12 OJE | Criticar

Os portugueses são avessos à crítica. Sejam elas negativas, positivas, destrutivas, construtivas, fugimos a fazê-las e odiamos os que as fazem. Empoleirados nas nossas certezas gostamos de praias tipo Mediterrâneo: poucas ondas, temperaturas amenas, previsibilidade, conforto. Criticar é que não. É uma coisa que faz nos doer a alma. “Deixá-lo estar, coitadinho, é bom rapaz”, dizemos a toda a hora das maiores incompetências que encontramos.
Embora presente no dicionário da Academia de Ciências, dá a impressão que só formalmente é que a palavra “Crítica” tem existência. Por “nacional-porreirismo” não as fazemos, por amizade as tornamos circulares, por desconfiança as levantamos, por receio as omitimos, por educação as evitamos, só por ódio as atiramos e por vingança as mantemos.
Mas se a crítica não existisse, se aquilo que nos levanta dúvidas não fosse questionado, ainda hoje a humanidade estaria a fazer fogo com pauzinhos. O conhecimento só evolui porque alguém tem dúvidas sobre a verdade provisória que alguns afirmam definitiva.
Tentei reflectir sobre a razão de ser desta atitude estrutural do povo português. A explicação provisória que encontrei tem a ver com a confusão entre dois conceitos: censura e crítica. Temos horror à censura. Censurar alguém, ou ser censurado, é um trauma não superado pelo português. Mas os conceitos são distintos. Censura é a corrupção da crítica; é a crítica contaminada por valores que não os da avaliação, da análise, do teste e do julgamento. É a interferência do animal que há em nós, no intelectual que nos distingue. É a transformação dos sujeitos em objectos. Diz-me a minha consciência que a censura é má e a crítica é boa. E é isso que falta ao país. (antoniomarquesmendes@gmail.com)