6.10.10

gestão de crises #entrevista exame outubro 2010

lá está na ultima página...


1 – Qual a primeira ação a tomar, quando a “bomba” rebenta?
Esta é, geralmente, a primeira grande falha que é cometida pelas empresas: deixar que as bombas rebentem. O que sabemos hoje em dia é que cerca de 70-75% das crises dão sinais anteriores e que na maior parte das vezes esses sinais são ignorados pelos responsáveis das empresas. Naturalmente, quando se chega ao momento em que a crise rebentou é porque muito daquilo que deveria ter sido feito não o foi. Aquilo que tem de ser feito passa por evitar as reacções naturais dos gestores: evitar as precipitações, evitar acusar infundadamente, evitar assumir responsabilidades ou apontá-las a alguém, ponderar os caminhos a tomar racionalmente. Uma crise é um momento muito forte do ponto de vista emocional e que implica elevados níveis de ansiedade para todos os envolvidos (instituições/empresas directamente associadas, vítimas e seus familiares, entidades judiciais, entidades reguladoras, jornalistas, comunidade envolvente), pelo que é essencial controlar estes estados. Em resumo, é necessário analisar e investigar profundamente as características da crise, as suas implicações e impactos, bem como quais os stakeholders envolvidos e as implicações para eles, ao mesmo tempo que se tem que gerir racionalmente as situações geradas pela crise evitando agir de forma emocional.

2 – Na era do Facebook e do Twitter, em que a informação corre em tempo real, como estancar eficazmente os danos?
As redes sociais vieram alterar a velocidade de circulação de informação, e o modo como se dá a participação mais rápida das populações na caracterização das crises. Na essência, o modo como as crises se desenvolvem e como a elas se tem que responder mantém-se. O segredo das respostas eficazes passa muito pela preparação prévia que as empresas efectuaram e pelos instrumentos que desenvolveram no âmbito da prevenção. Há hoje hipótese de responder quase em tempo real a acusações de que empresas/instituições são alvo utilizando para tal as ferramentas disponíveis: criação de sites/microsites de explicação e informação associados a campanhas na web (veja-se o caso da BP que está a utilizar fortemente o universo Google para direccionar as perguntas efectuadas sobre a BP para o seu site), activação de páginas do facebook com exposição clara dos factos e apresentação de provas documentais, utilização de outras redes sociais do mesmo modo. Mas nenhuma destas tácticas substitui os valores fundamentais da resposta à crise: investigação e determinação dos factos, averiguação precisa das responsabilidades e assumpção das mesmas quando é devido, colaboração com os stakeholders envolvidos e acompanhamento dos mesmos quando necessário. Responsabilidade e verdade. Não se aconselha a que alguém assuma responsabilidades que não são as suas, mas quando elas existem devem ser dadas respostas honradas

3 – Quais os erros mais flagrantes que se cometem quando se lida com uma situação de crise? (Pode dar exemplos)
Assumir responsabilidades indevidamente, encontrar bodes expiatórios acusando toda a gente, preocupação primeira com os interesses materiais do que com os interesses humanos, não activar os meios de resposta no momento adequado, subavaliação das ameaças e dos impactos potenciais das crises, agir com base na emocionalidade e não na racionalidade
4 – Pode dar o exemplo de uma companhia que, recentemente, tenha gerido positivamente uma crise?
Muito recentemente assistimos ao infeliz acidente de um autocarro em Ceuta que transportava passageiros do paquete Funchal. As entidades envolvidas tiveram um comportamento exemplar. Quer a Classic International Cruises (promotora) quer posteriormente o Rei de Marrocos (SAR Mohammed VI) procederam do modo mais correcto (nas explicações sobre o acidente, no acompanhamento imediato às vítimas, familiares e restantes passageiros, colaboração com as autoridades, disponibilização de contacto com jornalistas etc.)

5 – A BP foi uma das primeiras companhias petrolíferas a investir na construção de uma imagem ambientalmente correta. Na sua opinião, o que falhou?
O que falhou foi exactamente isso: uma preocupação exclusiva com a construção de imagem. Aquilo que que se verificou passado este tempo todo foi que os valores e a arquitectura da marca corporativa estavam assentes em nuvens, não tinham sustentação. Pelo que percebemos hoje, há uma oposição completa entre aquilo que é a imagem da BP e a sua identidade. Não há erro maior do que uma promessa não sustentada ou seja posicionarmo-nos com base em características que efectivamente não possuímos. Mais tarde ou mais cedo, e porque nunca controlamos todos os factores do nosso ambiente de negócios, as discrepâncias e as dissonâncias tornam-se evidentes. No caso da BP, foram-no da pior maneira possível (custos inacreditáveis para o ambiente, populações, negócios locais) e para a própria BP (20 bn USD). Hoje em dia o "mundo"(leia-se as populações e seus activistas) está demasiado atento, preocupado e envolvido para que as políticas empresariais não estejam alinhadas; não se pode existir de acordo com um certo paradigma, enquanto se tenta convencer todo o mundo que afinal vivemos de acordo com outro. Mais tarde ou mais cedo isto acaba por se descobrir e raramente a reputação (considerada aqui como um juízo de valor de outros sobre nós) resiste a estes ataques tão esmagadores.
6 – É consultor de empresas, nesta área. As companhias portuguesas estão preparadas para as “aflições”? O que ainda lhes falta? Quais os setores mais bem preparados?
Não. Poucas são as empresas que avaliam os riscos existentes, desenvolvem programas para os controlar ou diminuir, ou mesmo se preparam para a eventualidade desses riscos se transformarem em crises. Algumas empresas julgam que fazer um manual de crise os livra dos problemas… encerram toda a sua preparação numa formação de porta-vozes e num livrinho que esgota a sua utilidade no dia em que é arrumado numa pasta do computador ou da estante. Prevenção de crises implica contínua preparação das pessoas e constante revisão de procedimentos. Envolve treino regular das pessoas e das equipas, necessita de monitorização permanente dos factores de risco. Implica uma continuada intervenção sobre as políticas organizacionais para adaptação àquilo que são as circunstâncias sempre renovadas do ambiente de mercado e social. Do que conheço os sectores mais bem preparados são os do transporte aéreo, petrolífero e farmacêutico, muito por culpa dos elevados perfis de risco dos sectores em questão, bem como, uma exposição privilegiada a "know how" internacional nestas áreas. Mas insisto, infelizmente a maior parte das empresas instaladas em Portugal navegam à vista no que respeita à preparação para as crises

7 – Por vezes, os líderes tentam livrar-se dos estilhaços, desresponsabilizando-se. Qual o papel que devem tomar? O do homem do leme?
As crises são boomerangs…quando empurramos para um lado para a afastar, ela retorna mais tarde às nossas mãos com mais força e violência. E esta máxima devia servir de inspiração aos líderes empresariais. Quando a responsabilidade da empresa que dirigem estiver definida e apurada, os líderes devem dar a cara publicamente e comportar-se como orientadores e dinamizadores da resposta, apresentando-se como o porta-estandarte dos valores e filosofia da própria empresa (é nesta perspectiva que a crise também pode ser uma oportunidade). Internamente devem não só garantir a resposta à crise (só eles muitas vezes concentram em si os factores essenciais para uma resposta efectiva: conhecimento, poder, decisão, visão estratégica) e a respectiva afectação de recursos, como devem continuar a assegurar o funcionamento da empresa "para além da crise". Tony Hayward da BP foi demitido por não ter estado à altura: por não ter respondido correctamente, por não ser inspirador, por não ser um líder.