30.9.08

miopia orçamental

Com a crise do “sub prime” a sair dos compêndios e do mundo dos analistas e a cair-nos no colo, os especialistas em marketing e comunicação começam a fazer contas à vida.

Por esta altura fazem-se orçamentos e ajustam-se estratégias para o próximo exercício. E é certo e sabido que, pelo menos em Portugal e em Espanha, as orientações globais vão ser reduzir, emagrecer, cortar e consolidar os orçamentos de marketing e comunicação. A meta-estratégia geral vai ser a de injectar “esforço de vendas e promoções” para gerar retornos de curto prazo e adiar os investimentos mais estruturantes e de construção a longo prazo da reputação das empresas. É legítima a preocupação destes gestores, mas nestas ocasiões lembro-me sempre do caso da FIAT aqui em Portugal há uns anos atrás; de tanto insistir em promoções (de Primavera, de Verão, de Outono, de Inverno, das Vindimas, da Páscoa…) destruiu a marca por muitos anos, e de marca consolidada passou a segunda (ou mesmo pior!) escolha nos segmentos que mais-valia trazem para as marcas automóveis.

Se é aceitável que se apliquem critérios mais rigorosos e científicos para a distribuição do investimento, e que por essa razão se consigam obter economias orçamentais, já não o é quando o corte é cego e cumpre apenas os requisitos apresentados “de cima”, que determinam os inevitáveis 10 ou 20% de “encolha de investimento”.

O corte cego é uma inevitabilidade para os gestores menos preparados. Aqueles que o são, e que têm uma abordagem científica das questões do investimento em comunicação, sabem que o “ataque ao orçamento” tem que ser cirúrgico e deve ser inspirado por uma conjugação de factores: por um lado a eficácia comprovada das disciplinas; por outro, o momento do ciclo de vida em que a empresa ou as suas marcas se encontram.

E se é legítimo que marcas instaladas e devidamente relacionadas com o mercado e com os seus clientes, ou empresas superiormente reputadas junto dos seus stakeholders, possam considerar o abrandamento do investimento, já outras, que não contam com estes activos, não se podem dar ao luxo de, simplesmente, abandonar a construção de relações de confiança com aqueles de quem dependem. Aquilo que hoje sabemos (estudos efectuados quer pela Interbrand como pelo Reputation Institute, assim o provam) é que aquelas empresas que têm melhor reputação têm melhores indicadores de negócio (VNB, Capitalização, Margem Líquida, Lucros etc..) e que em situação de mercado idêntica resistem melhor a crises e problemas estruturais de mercado ou de indústria. E não é só porque existem dados concretos que se pode afirmar isto, mesmo intuitivamente somos conduzidos a aceitá-lo, já que o significado do conceito “reputação empresarial” indica que se trata da impressão que alguém tem sobre essa empresa como resultado da percepção, e consequente avaliação, que faz das acções passadas e do potencial de acção futura. No fundo uma boa reputação de empresa tem a ver com admiração, confiança, apreço, fidelidade e, em última instância, preferência por essa marca ou empresa (em situações de comparação com outras suas semelhantes) por parte de quem com ela se relaciona.

As empresas que detêm melhor reputação junto dos empregados têm menor “turn-over” de pessoal, são preferidas pelos clientes, são recomendadas mais facilmente a terceiros, despertam maior curiosidade no mercado de trabalho e conseguem captar os melhores talentos, e nos mercados de capitais são mais valorizadas e apreciadas. Empresas e marcas com boa reputação despertam fascínio e admiração e lideram as escolhas no mercado. Entre trabalhar numa Microsoft ou na Google, e trabalhar na XPTO informática ltd , quem é que vai hesitar? No entanto, para chegar a este ponto, aquele em que só o nome de uma empresa ou marca faz imediatamente surgir uma mitologia associada e um estado de encantamento generalizado, é preciso um trabalho árduo, duro e difícil, que se prolonga no tempo. Estes sentimentos para com uma empresa ou marca não são imediatos; são o resultado da acumulação de experiências, sinais e factos sobre uma empresa ou marca, e da sua consequente avaliação. E a avaliação positiva não depende só da “colagem” e do conforto que nos provocam as políticas da empresa e da marca, e da adequação da sua proposta e posicionamento, mas também da sua continuidade ao longo do tempo e da coerência, persistência e intemporalidade do seu significado para nós.

E isto só se consegue com esforço e com investimento, e não com uma visão míope do verdadeiro património da empresa, do maior dos seus activos: aquilo que os seus stakeholders pensam dela e o que estão disponíveis para fazer com ela e por ela.